Covilhã, Dezembro 2005
Era mais uma noite com algum frio na cidade Lisboeta. Mais uma vez a Praça do Comércio se enche de pessoas à noite para além das que vão ver a árvore de Natal.
As arcadas da Praça vão-se enchendo de homens e mulheres, em especial homens, que erguem os seus caixotes e cobertores.
Um deles, de barbas brancas, cabelo sobre o comprido, igualmente branco, brinco na orelha e olhos travessos azuis cumprimenta-nos num inglês, com forte acento.
Uma vela em cima de um pano, por cima de um caixote e ao lado de um barquinho de vidro, daqueles que estão dentro de uma garrafa, chamava a atenção pela diferença.
Conversa puxa conversa e descubro que o Tom é um marinheiro norueguês. De longa data, porque 40 anos na vida de um homem de 65 já é muito.
Nascido nos confins da Noruega, sim, na Lapónia, terra do Pai Natal, ri-se como quem está habituado e diz que é neto do Pai Natal.
Nasceu numa terra que nem nome tem, perdida no gelo do Norte da Noruega. Os pais ainda lá vivem (um deles filho do Pai Natal, lembrem-se...). O Pai tem 105 anos e a mãe 98. Vivem sozinhos, isolados e independentes. O telefone mais próximo está a quase 50 milhas de distância. Distância essa que percorrem de trenó puxado com cães ou com renas. Sim, essas mesmas, as que puxam o Pai Natal!
Já percorreu muitos mares e oceanos. 5 meses foi o tempo máximo que esteve sem vir a terra. Diz-se de poucas palavras, que o isolamento do gelo e depois do mar não ajudam, mas fica uma hora a conversar e a puxar conversa.
Tem 2 filhos que também com ele trabalham no barco. O barco, um cargueiro, teve problemas ao pé de Matosinhos com uma tempestade e ficou uns tempos em terra. O Tom diz que já está bom e continuou viagem para os EUA e que no regresso o apanha. No "inside", ou seja, em terra.
Veio para Lisboa, com dinheiro assegurado para um quarto numa pensão para o tempo até ao barco regressar. Chegado à pensão achou o quarto feio, triste e sem ninguém com quem pudesse conversar. Por isso pegou em si e no seu barco que está dentro de uma garrafa de vidro (que lhe lembra os amigos e os filhos que estão no mar) e veio para as arcadas, aquelas ao pé da árvore de Natal. Porque ali tem com quem conversar, o frio que se sente para ele é como se fosse Verão e até vai ajudando com umas moedinhas aqueles que por ali dormem.
O contacto com o barco, esse é feito por telemóvel. Troca "text messages" com os filhos e sabe que nesse dia estavam a atravessar o canal do Panamá.
No barco que em breve o virá buscar!
1 comentário:
Que bonito, mafalda.
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