Bato à porta, sorrio às 2, 3, 5 ou 8 pessoas que estão na sala abafada e mínima. Se o "rolo" estiver livre sento-me e começo a "amassar" em cima da mesa. É o primeiro exercício de aquecimento...
A conversa continua e fluente, caminha entre piadas, histórias de vida e perguntas sobre o desenvolvimento de cada ombro doente e magoado.
Ali há de tudo: ombros operados, ombros que vão ser operados, ombros luxados, ombros velhos e doridos, pessoas de todas as idades e vidas, que 2, 3, 4 ou 5x por semana juntam as suas vidas (ou os seus ombros) na fisioterapia.
Entretanto pego num pedaço de papel e em movimentos ascendentes e descendentes vou "limpando a parede". De forma cadenciada. Exercício dificultado quando nos estamos a rir com as conversas do lado.
Daí passo para uma bola (tipo pilates), sento-me nesta e agarrando as mãos num espaldar estico os braços o máximo possível.
A conversa continua a correr entre gargalhadas de uns e gemidos e sofrimento de outros. Depende da fase em que estão, da maneira como lidam com a dor, da maneira com o a dor lida com eles e os deixa descontrair.
Aliás, a vida lá de fora também entra por esta porta dentro quando batemos noc noc e, esta articulação emocional que ocupa o nosso lado direito e esquerdo do corpo, ressente-se de todas as tensões, mas também boas disposições, que trazemos quando entramos.
Pego no bastão de madeira e deitada na marquesa elevo os braços para trás, ao melhor estilo de um espreguiçar gigante, em ritmos sucessivos e mais ou menos dolorosos. Longe vai o tempo em que para cima de 90º doía, que para cima de 130º doía, em que cada queda desastrosa que dava fazia o tratamento regredir nos graus e aumentar na dor. Agora já chego com os braços a uns 180º esticadinhos e triunfantemente orgulhosos deitados na marquesa.
Depois de mais uma série de movimentos com o bastão vem a prova de que já estou melhor. Começaram os exercícios de fortalecimento e já uso os elásticos (de cor diferente consoante a pessoa) em diversos movimentos de força. É o sinal público de que já se está a melhorar.
Por fim, a marquesa e as mãos da fisioterapeuta a trabalhar.
Entre mimos e trabalho pesado, entre risos, e "ai's" que não se conseguem conter, acompanhados de um contorcionismo do corpo e (é verdade...) uma ou outra lagrima derramada, fica a certeza de que a vida traz permanentemente oportunidades.
Oportunidades de nos descobrirmos, de assistirmos a vidas maravilhosas e com as quais aprendemos a perceber como se pode marcar a diferença numa profissão e numa forma de estar na vida.
E entre os exercícios a conversa continua, fluida, como se não houvesse fim nos assuntos partilhados, contados e recontados, nos momentos em que ombros doentes e magoados permitiram que a vida se cruzasse.
PS: Faz agora 20 meses que iniciei a fisioterapia. Número redondo merece post! :) Lisboa, Mai 09
1 comentário:
Que magnífica descrição do que se passa entre aquelas quatro paredes, Mafi! E que bom e compensador é assistir à evolução que vamos tendo, saber que estamos a sofrer mas que a dor que sentimos é necessária para que a nossa recuperação prossiga.
As nossas vidas cruzaram-se naquele espaço e uma amizade surgiu. Que esta se mantenha por muitos e bons anos!
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