...senta-se todos os dias em várias das nossas praças do centro de Lisboa. Numa de cada vez, claro está.
Barba comprida, casaco sobretudo muito forte, mais adequado ao inverno que a este tempo quente, olhos postos no chão e mão estendida, passa assim os dias. Intervalados com idas às tascas e arrastar de pés pelas ruas.
Actualmente dorme também nessas ruas, tal como já o faz há muitos anos. Intervala com pequenos períodos em que está num quarto, em que se encontra melhor, menos deprimido e mais atento.
Não é o caso actual. O alcool vai tomando mais conta da memória, dos dias que passam, da barba que cresce, dos cortes na cara que vai ganhando das vezes em que cai.
Apesar da memória ir falhando, raramente se esquecia do que o sustentava, a reforma... Até ontem.
Encontrámo-lo, mais uma vez, sentado de olhos postos no chão e mão estendida, numa das praças que frequenta.
Conversávamos um pouco quando nos lembrámos que era o seu dia de anos! Tinha-se lembrado e que tinha nascido Às 6h30 da manhã. Eram 12h e combinámos então encontrar um pouco mais tarde, às 15h, para tomar um café de aniversário e para dar o dinheiro da reforma que tinha pedido para guardarmos (e que já não se lembrava).
Às 15h não estava no local. Percorremos os locais habituais e encontrámo-lo a arrastar os pés pelas ruas. Já não se lembrava. Nem do café, nem do dinheiro que lhe traziamos, nem que o tinhamos ficado de encontrar.
A memória traiçoeira vai caminhando e lesionando aquilo que ainda resta: a sua história passada, o presente e um olhar sobre o futuro que afirma já não querer, nem ter forças para o viver.
1 comentário:
Tive que reler o texto e parar um bocadinho antes deste comentario...
Que peso no peito!
O texto ta lindo!
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