quarta-feira, fevereiro 01, 2006

"Queria um lugar para ficar..."


Lisboa, Junho 2005

Subiu as escadas. Ao pé da porta de vidro parou.
Com um saco na mão e o boné na cabeça entrou e pediu: "queria um lugar para ficar, para dormir...".

Coma qualquer coisa, disse eu, (eram 19h) já comi qualquer coisa obrigada, respondeu. Convidei então a sentar, que eu já ia falar com ele, foi o que eu lhe disse.
Sentei-me. Acabou por pedir um café. Enquanto mexia o açúcar explicou:
que tinha de começar por dizer que tinha casa, que vivia com a mulher. Mas que não podia ir para casa...
O problema era o filho...
Era esquizofrénico. E a fúria estava virada contra ele. Mas que não podia chamar a polícia, para ser internado, não tinha agredido... desta vez...
Já tinha havido outras vezes. Ele com uma facada, a mulher com um traumatismo craniano.
O filho ia para o hospital, melhorava, mas depois... depois era o receio outra vez...
E a sua mulher está em casa? Que sim. que o problema desta vez era com ele e que com ela não havia problema. Quando era com ela, ela ia para casa das vizinhas dormir. Ele é que não, é que não podia...
Baixa os olhos...A mão que segura o copo plástico de café treme... os olhos humedecem e não responde... silencia...por fim conta...
Que tem dormido na rua. Num banco da paragem de autocarro, num recanto do jardim...
Que no Domingo ia congelando. Que nunca tinha sentido tanto frio. Que agora 2 dias passados ainda parecia sentir os pés gelados...
Um polícia tinha-lhe dito que ali lhe podiam dar um abrigo.
Respondi-lhe que sim.
Expliquei-lhe para onde podia ir. Não minimizei como o local era, como se podia sentir deslocado...mas também não consegui fazer uma descrição exacta. Como explicar a quem nunca passou por isso e não faz ideia?
Fez um pequeno sorriso e apenas disse: Não há problema...só quero um sitio quente, nem precisa de ter cama...
Sentou-se na cadeira. Acendeu um cigarro, desviou o olhar e ali continuou...
Com o saco na mão e o boné na cabeça...

2 comentários:

Anónimo disse...

Que sabemos nós de um sofrimento assim...e quanta responsabilidade em contribuirmos para a "civilização do amor"...

Maffa disse...

Que amor o desse Pai!